
William Turner (1775-1851), o inglês conhecido como "o pintor da luz", tem sua obra revista em 149 quadros reunidos numa das mais grandiosas exposições apresentadas este ano nos Estados Unidos. Depois de exibida na National Gallery de Washington e no Dallas Museum of Art, a retrospectiva está fechando sua turnê americana no Metropolitan, em Nova York, onde fica até domingo. O público lota as dez galerias ocupadas por essa que é primeira panorâmica da carreira completa de Turner vista no país. Mais da metade das pinturas e aquarelas que a compõem pertence à Tate Britain, de Londres, de onde dificilmente saia outra vez um número tão grande de Turners.Um dos pioneiros do impressionismo pelo tratamento que dava à luz por meio da cor, Turner igualou a aquarela à pintura a óleo e, abordando temas históricos, deu status nobre à paisagem, que antes dele era considerada um tema menor. A retrospectiva J. M. W. Turner documenta a evolução do seu estilo desde 1790, quando, exibindo uma aquarela, ele participou pela primeira vez da exposição anual da Royal Academy.Filho de um barbeiro, Joseph Mallord William Turner nasceu em Londres e, aos 11 anos, teve suas primeiras aquarelas expostas na vitrine da barbearia do pai. A publicidade rendeu ao artista precoce um emprego como desenhista de arquitetura. Ao ingressar na Royal Academy, ele foi estimulado a estudar as técnicas dos velhos mestres da pintura e as paisagens de Claude Lorrain (1604/5-1682) lhe serviram de inspiração durante toda a vida. Ao doar sua coleção pessoal para seu país, ele determinou que dois quadros que criou sobre o império cartaginês e em homenagem a Lorrain fossem exibidos ao lado de duas paisagens do pintor francês. E assim eles são vistos até hoje na National Gallery de Londres.As inovações técnicas e estilísticas de Turner foram sem precedentes, mas, além do seu refinamento, ele mantinha o olho no mercado. Apesar de sua virtuosidade na aquarela, ele queria o prestígio maior que, na época, era associado à pintura a óleo. Em 1796, ele estreou como pintor na exposição anual da academia com Fishermen at Sea, primeira das muitas marinhas que o fariam famoso. Naquela tela - vendida por dez libras, preço excelente para um artista de apenas 21 anos - ele já evidenciava predileção pelo sublime, "a mais forte emoção que a mente é capaz de sentir" diante das forças da natureza, segundo o filósofo Edmund Burke.Redemoinhos de vento e neve, ondas devoradoras, céus cortados por relâmpagos ou dissolvidos pelo sol e montanhas que reduzem a escala humana à insignificância se sucedem pelas galerias a ponto de quase cansar o observador. Além de virtuoso no repertório do sublime, Turner também era prolífico: sua produção é calculada em mais de 19 mil esboços, cerca de 1.600 aquarelas e acima de 540 óleos concluídos.No começo do século 19, o mais jovem membro da Royal Academy era uma estrela em ascensão. Como se repetiria muitas vezes nos seus quase 60 anos de carreira, havia críticos que espinafravam o que consideravam uma "indistinção" de estilo e falta de acabamento nas obras dele. Com o sucesso profissional falando mais alto, em 1804 ele abriu a própria galeria em Londres. No centro da primeira sala da exposição no Met está The Shipwreck, que ele exibiu lá em 1805 e, um ano depois, na academia. Baseada num naufrágio que possivelmente tenha ocorrido naquela época, essa foi sua primeira pintura a óleo a ser reproduzida como gravura.Foi justamente com a disseminação de impressões que os efeitos de luz e sombra de Turner ganharam fama. E, claro, lhe renderam fortuna. Entre 1807 e 1819, ele publicou mais de 70 gravuras criadas para o seu Liber Studiorum, livro ilustrando categorias de paisagem. Uma série delas é vista na retrospectiva e, assim como na tela, também na placa de metal a iconografia de Turner se estende de marinhas a vistas topográficas, de temas históricos ou bíblicos a cenas imaginadas por ele.A guerra entre Inglaterra e França (1793-1815) teve forte influência na carreira de Turner, que a usou como tema explícito. Em Snow Storm: Hannibal and His Army Crossing the Alps, ele iguala a ascensão e queda do império cartaginês com o da França, lembrando a travessia dos Alpes feita por Napoleão. Mas até no título a força da natureza vem antes do tema histórico. The Battle of Trafalgar, 21 October 1805 é a sua maior tela (259cm x 365,8 cm) e a única encomenda real que ele teve. O rei George IV comissionou o trabalho 15 anos depois de ter-se dado a batalha. Com o fim da guerra, as imagens criadas por ele se expandiram para além das costas da Inglaterra, principalmente depois de sua primeira viagem à Itália, em 1819. Os próximos dez anos foram marcados por experimentações e transição. Suas cores foram ficando cada vez mais quentes e intensas, resultado do trabalho constante com aquarela e de uma nova gama de pigmentos, principalmente em tons de amarelo. Essa injeção de brilho em suas telas levaram alguns detratores a dizer que ele estava "intoxicado com cor" e tinha "febre amarela".Respondendo à demanda de mercado por imagens de Veneza, em 1833 ele começou a exibir vistas daquela cidade italiana, inspiradas numa série de fontes artísticas e literárias, entre as quais textos de Shakespeare e Byron e as pinturas criadas no século 18 por Canaletto. Uma delas, Giudecca, La Donna Della Salute and San Giorgio, que ele exibiu em 1841, marcou o recorde para um Turner ao ser vendida em abril de 2006 em leilão da Christie''s, em Nova York, por US$ 35,8 milhões. Giudeca não está na retrospectiva.Mas está uma de suas pinturas mais famosas, The Burning of the Houses of Lords and Commons, 16th October 1834, que mostra a espontaneidade da técnica dele e sua fascinação por efeitos de luz, o que se vê nas chamas e no reflexo delas sobre a superfície do rio. Na verdade, elas tomaram a direção oposta e essa "licença" de Turner lhe valeu outra saraivada de críticas. Essas foram ficando mais ácidas à medida que, já chegando aos 60 anos de idade, Turner tratava as formas de maneira cada vez mais difusa. Enquanto a academia propagava um estilo detalhista e controlado, a mão dele corria solta pela tela. Nas últimas aquarelas, ele mostra a mesma preocupação com luz e cor que caracteriza sua pintura madura. Defendendo as formas borradas e imprecisas das suas últimas imagens, ele definiu: "Atmosfera é meu estilo."Entre as obras que ele doou ao seu país estão 182 óleos inacabados e a exposição apresenta dez deles, todos com formas apenas sugeridas. Esse grupo foi exposto pela primeira vez na Tate Gallery em 1906, e a abstração deles maravilhou a crítica de gosto modernista. Turner renascia assim como ainda merece ser visto, um avant-garde.
Fonte: estadao.com.br
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